Por Francisco Thallys Rodrigues*

A teologia, como exercício do sujeito que tem fé, envolve o ser humano em todas as suas dimensões e potencialidades: seu intelecto, seu afeto, suas relações, sua abertura teologal a Deus, sua experiência comunitária, sua relação com o mundo e com a cultura. Poucos são os homens e mulheres que atingem este grau de relação entre fé e razão, sabedoria e conhecimento, realidade e espiritualidade. João Batista Libanio, teólogo mineiro, se insere neste horizonte de integração das múltiplas dimensões do ser humano, o que o torna teólogo tão fecundo, profundo e atual.

Desde cedo, Libanio demonstrou interesse pela leitura e o conhecimento, frequentando ainda criança a biblioteca pessoal de seu pai e depois as bibliotecas dos grandes centros de teologia da Europa. Optou por entrar na Companhia de Jesus e aí começou seu itinerário espiritual-existencial que moldou a sua experiência de fé e de compreensão da realidade. Este percurso espiritual-existencial é sentido, especialmente, na obra de sua maturidade, O Exercício da Liberdade, que descreve a caminhada daquele que realiza os exercícios espirituais.

Libanio é enviado para estudar na Europa e torna-se doutor em Teologia pela Universidade Gregoriana de Roma, retornando ao Brasil para ajudar na formação dos escolásticos jesuítas. O período em Roma coincide com o desenvolvimento do Concílio Vaticano II e com o contato com a Nouvelle Teologiae, que se desenvolvia fortemente na Europa e da qual Libanio será um dos grandes propagadores no Brasil.

De volta ao Brasil, Libanio depara-se com um cenário de contrastes. De um lado, estava em pleno curso a ditadura militar, que havia dado início a um processo de controle dos meios de comunicação, da vida social etc; e, por outro lado, começava a despontar jovens teólogos que, entre eles o próprio Libanio, faziam teologia com ares de América Latina. Nasce uma teologia nova, fértil e que partia de uma profunda experiência eclesial com o povo sofredor da América Latina.

Ao lado de outros teólogos de renome, Libanio se destaca pela sua capacidade de articulação da Tradição eclesial com os problemas hodiernos, pela facilidade de elaborar esquemas de compreensão da realidade, pela enorme sensibilidade aos problemas que assolam o mundo urbano, pelo modo descontraído e sempre jovial com que se aproximava dos jovens e os abordava. Os seus escritos exprimiam estas habilidades associadas às suas experiências.

Numa entrevista ao Instituto Humanitas, Libanio afirma que o seu modo de fazer teologia se caracteriza por debruçar-se sobre os problemas contemporâneos à luz da fé. Predomina em seu pensamento, a preocupação com as questões da razoabilidade da fé (teologia fundamental) e com a cultura hodierna, sem deixar de tratar outros temas, tornando-se um teólogo generalista e não um especialista. Na entrevista a Flavio Senra, Libanio afirma que, mais que um eixo temático, sua busca tinha um “eixo-horizonte filosófico-teológico de maneira dialética”. Este modo de se colocar diante do conhecimento e do mundo permitia que ele tivesse uma visão ampla e plural da realidade.

Manoel Godoy, grande amigo de Libanio, ao falar do modo libaniano de compreensão da realidade, afirma que o teológo belorizontino estava como numa janela e tinha diante de si uma enorme variedade de cenários que despontavam na medida em que ele mudava de posição na janela e, por consequência, permitia visualizar elementos não perceptíveis no cenário anterior. A perspicácia apurada de Libanio lhe permitia uma compreensão ampla, profunda e geral da realidade.

Os últimos anos de sua vida foram marcados por um crescente interesse pela pessoa de Jesus, fruto do desenvolvimento da pesquisa sobre o Jesus histórico e também da larga produção cristológica latino-americana. Diante desse cenário complexo e plural, Libanio cunha o termo “linguagem” para explicitar a variedade de discursos sobre Jesus, desenvolvidos ao longo da história e que coexistem um ao lado do outro, não excluindo nenhuma linguagem, mas apontando com lucidez suas contribuições e limites.

Cada experiência vivida, palestra dada, novo desafio imposto, cada contato amigo, era oportunidade para pensar à luz da fé, tal como aprendera de Santo Inácio de Loyola, para enxergar a presença de Deus em todas as coisas. Neste sentido é que se entende a afirmação de que Libanio não tinha medo de escrever, pois cada uma das experiências vividas, após passar pelo crivo de sua análise, tornava-se ocasião de um livro ou artigo. De modo que aquela reflexão era registrada, compartilhada, celebrada, divulgada desde revistas conceituadas de Teologia, fora e dentro do país, até singelos jornais de paróquias do interior, para o qual lhe pediam para que escrevesse um breve texto sobre um assunto espinhoso ou uma palavra de ânimo na caminhada.

Parece-nos que assim deverá ser o teólogo de nossos tempos: capaz de arguir a grande Tradição, conhecer as Escrituras e os manuais de teologia, mas ao mesmo tempo estar inserido na vida das pessoas, sensível às suas lutas e seus apelos dirigindo-lhes uma palavra de ânimo, esperança e lucidez. Destarte, a grande contribuição da obra teológica de Libanio é aproximar a teologia das pessoas para além do espaço das universidades e cátedras de teologia, cooperar para que as pessoas pensem, verbalizem, critiquem a experiência da vida.

Para além dos livros e artigos, a obra teológica de Libanio não pode ser reduzida ao material escrito, uma vez que o registro histórico é resultado de um longo processo com muitos interlocutores e com diversos espaços. Além disso, torna-se evidente que atrás de suas obras está um homem apaixonado pela vida, vivo na fé como seguidor de Cristo, capaz de sensibilizar o homem moderno, de atingi-lo com linguagem simples e profunda. Um homem que não cedeu à tentação de não escrever por medo das críticas, pois o medo paralisa e impede, muitas vezes, que o mais íntimo da experiência da fé brote na terra seca e árida, mas que, pelo contrário, não somente escreveu como também corroborou para formação de jovens teólogos e sua inserção no mundo das letras, entre eles estão Maria Clara Bingemer, Carlos Cunha, Edward, Afonso Murad e outros, com os quais Libanio escreveu algumas de suas obras.

Portanto, a obra teológica de Libanio, em toda sua abundância, é fruto saboroso de sua experiência como jesuíta, como professor da FAJE, como constante leitor e estudioso, como assessor por todo o Brasil, do seu contato sempre constante com os jovens, do seu serviço pastoral em Vespasiano, de sua participação no grupo de teólogos Emaús e de seu contato com a teologia latino-americana. Nela, pulsa o coração de um teólogo inquieto.


*Bacharel em Filosofia pela Faculdade Católica de Fortaleza (FCF), estudante do curso de Teologia da Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE), bolsista de iniciação científica (PIBIC/FAPEMIG) com o projeto A cristologia de João Batista Libanio.