Diante do episódio em que alguns moradores de Pacaraima, na fronteira entre Brasil e Venezuela, no estado de Roraima, destruíram acampamentos e queimaram pertences de imigrantes venezuelanos um dia após um comerciante brasileiro ter sido assaltado, o bispo de Roraima, dom Mário Antônio da Silva classificou o ocorrido como “lamentável” e “muito triste”. Dom Mário falou sobre o assunto durante a abertura do III Encontro da Igreja Católica na Amazônia Legal que acontece entre os dias  20 e 23 de agosto, em Manaus (AM).

“A gente fica indignado que tais situações cheguem a esse termo para que o Governo Federal possa se aproximar de governos estaduais e municipais; e é lamentável que isso aconteça para que os governos olhem um pouco mais com respeito e consideração ao povo de ambas as nações, tanto do Brasil quanto da Venezuela. Liguei agora a pouco lá para Pacaraima e a cidade está digamos que, aparentemente, calma com tudo aquilo que aconteceu no sábado de manhã”, afirmou dom Mário.

Clima foi de tensão durante conflito em Pacaraima. Crédito: AFP

Segundo a Força-Tarefa Humanitária, composta pelas Forças Armadas e integrada por  organizações civis os ataques provocaram a fuga de 1,2 mil imigrantes de volta para a Venezuela. O conflito ocorrido no sábado, 18, chegou a provocar uma manifestação do governo venezuelano, que pediu que as autoridades brasileiras protegessem seus cidadãos. De acordo com a chancelaria venezuelana, foram solicitadas ao Ministério de Relações Exteriores do Brasil “garantias correspondentes aos nacionais venezuelanos e medidas de resguardo e segurança de seus familiares”.

O fato é que com a grave crise política e econômica que atinge a Venezuela, centenas de pessoas tem deixado o país, a maior parte com destino à Boa Vista e Pacaraima. Entre 2017 e 2018, mais de 120 mil venezuelanos entraram em Roraima. Mais da metade deles já deixou o Brasil. Em julho, o governo brasileiro informou que quatro mil venezuelanos permaneciam em abrigos em Roraima. Poucos dias antes do conflito em Pacaraima, o portal da Cáritas Brasileira havia realizado uma entrevista com o arcebispo de Maracaibo e presidente da Conferência Episcopal da Vanezuela e da Cáritas América Latina e Caribe, dom José Luiz Azuaje Ayala.

Ele havia solicitado para os brasileiros serem “solidários” e para não colocarem “qualquer obstáculo à caridade”. “Devemos lembrar que este mundo é feito para todos, que as fronteiras são linhas imaginárias para ordenar, mas não para o impedimento da realização dos seres humanos. Um migrante é um ser humano que tem dignidade em si mesmo, independentemente de raça, cor, credo ou ideologia. Todos nós possuímos a primeira dignidade que nos aproxima, irmãos, co-participantes de uma história comum no mundo”, disse o bispo.

Na entrevista, o bispo também garantiu que os venezuelanos não tem vocação para migrar, pelo contrário, sempre se distinguiram em acolher pessoas de outras países. “Se você sair do país é porque as condições de segurança econômica, social, pessoal e legal não permitem que você viva. É algo de vida ou morte para milhões de pessoas”, afirmou dom José Luiz.

Confira a entrevista na íntegra.

 

Pacaraima: indignação e solidariedade
“Era estrangeiro e tu me acolheste” (Mt 25, 35a)
Nós, 58 bispos e 27 demais representantes de Prelazias e Dioceses
reunidos em Manaus (AM) de 20 a 23 de agosto no III Encontro da Igreja
Católica da Amazônia Legal, convocados pela Comissão Episcopal para a
Amazônia da CNBB para dialogar sobre o Sínodo Especial para Amazônia
tomamos conhecimento dos violentos atos ocorridos no dia 18 de agosto em
Pacaraima, Roraima. Inspirados pelo Evangelho de Jesus Cristo, tornamos
pública nossa indignação com a intolerância manifestada contra as mulheres,
homens e crianças, refugiados venezuelanos. Já o profeta Zacarias nos adverte:
“não oprimam a viúva e o órfão, nem o estrangeiro e o necessitado.” (Zc 7, 10)
Expressamos nossa solidariedade com as famílias que sofreram a
violenta expulsão do Brasil e nos edificamos com as pessoas, instituições e
comunidades católicas que acolhem e protegem nossos irmãos e irmãs
migrantes.
Reconhecemos que a situação é crítica, principalmente pela ausência de
uma ação integrada e eficaz das esferas municipais, estadual e federal do
Estado Brasileiro, que assegure a acolhida humanitária aos refugiados.
Insistimos que o governo da Venezuela supere as causas geradoras desse
deslocamento forçado.
Lembramos que os refugiados pertencem a povos da Amazônia e
merecem respeito à sua dignidade e aos Direitos Humanos. Dizemos BASTA
ao ódio e SIM à acolhida fraterna.
Que a Virgem de Nazaré, Rainha da Amazônia, interceda pelos povos da
Amazônia para que o Espírito de Deus nos indique os caminhos de vivermos
como irmãs e irmãos.
Manaus (AM), 23 de agosto de 2018.
Bispos católicos da Amazônia Legal e demais representantes
participantes no III Encontro
Cardeal Dom Cláudio Hummes,
Presidente da Comissão Episcopal para Amazônia da CNBB,
Presidente da REPAM – Rede Eclesial Pan-Amazônica

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