A coordenadora da Cátedra Carlo Maria Martini e professora titular do Departamento de Teologia da PUC-Rio, teóloga Maria Clara Lucchetti Bingemer, refletiu sobre o que o Papa Francisco definiu como a “Política Melhor”, em sua Encíclica Fratelli Tutti, com os mais de 80 parlamentares brasileiros, de diferentes partidos políticos e níveis de atuação, que participam do 1º Encontro de Parlamentares Católicos a Serviço do Povo Brasileiro.
O encontro, promovido pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), por meio de sua assessoria política nesta quinta-feira, 16 de setembro, com continuidade na sexta-feira, (17), tem como objetivo “refletir sobre a realidade democrática, as prioridades e os desafios da política no Brasil, conforme ensina a Doutrina Social da Igreja, o magistério do Papa Francisco e o episcopado latino-americano, bem como sobre as possibilidades de contribuição da Igreja para o diálogo na pluralidade da vida política, particularmente no ambiente parlamentar”.
Antes de entrar na definição da “Política Melhor” apontada pelo Santo Padre, a decana destacou pontos sobre o diagnóstico do estado da “fraternidade” no mundo descrito na Encíclica. Entre eles, o fato de que a globalização conectou as pessoas mas não ajudou a superar o individualismo e o de que a sociedade hoje é marcada pelo consumo e pela eliminação dos que são descartáveis, como os pequeninos (idosos, pessoas com deficiência, entre outros).
De acordo com a professora, na Encíclica o Papa reconhece o avanço em marcos legais sobre os direitos humanos e assistência social mas em contrapartida aponta que ainda convivemos com as aberrações como racismo e as desigualdades, fenômenos que demonstram que as discriminações ainda estão muito vivas na forma como se organiza a sociedade.
Maria Clara destacou também a análise oferecida pelo Papa na Fratelli Tutti de que as redes sociais conectaram a todos mas não foram capazes de gerar relacionamentos verdadeiros, mas ao contrário estão promovendo mais isolamento, estimulando o ódio por meio de notícias falsas. “A conexão das redes sociais não tem construído pontes”, disse.
O Papa Francisco, apontou a professora da PUC Rio, chama a atenção em seus escritos que estamos vivendo uma crise do nós e do comunitário com a persistência de vários conflitos e com o fim das utopias. A pandemia exarcebou ainda mais os problemas criados pela humanidade.
A melhor política
Frente a este diagnóstico, a professora destacou que o Papa aponta na Fratelli Tutti que a “melhor política” deve trabalhar no sentido da construção do bem comum pensando nas gerações presentes e futuras numa perspectiva da generosidade.
“A terra, os recursos naturais e as instituições são legados que recebemos e dos quais devemos cuidar e aprimorar para as gerações seguintes. Isto supõe uma relação intergeracional, tendo a ecologia e a fraternidade intrinsecamente interligadas”, disse a professora em destaque à reflexão proposta pelo Papa.
O trabalho como forma de realização da dignidade humana também é apontado pelo Papa como um caminho que a melhor política deve buscar. “O Papa crítica inclusive a perspectiva assistencialista de ajudar os pobres com dinheiro. O objetivo deve ser ajudar as pessoas a conquistar uma vida digna por meio da sua participação criativa no trabalho. A pior pobreza apontada pelo Santo Padre é aquela privada do trabalho e da dignidade que ele confere”, apontou.
A professora destacou a ideia, apontada na Encíclica, de que a caridade é a forma mais alta da caridade e esta deve se expressar em duas dimensões social e institucional. Ela apontou também que o documento defende que a política não pode se submeter à economia, à busca pelo poder e à corrupção. “A economia sozinha é incapaz de resolver os problemas da humanidade’, disse.
Maria Clara disse que o Papa Francisco busca em sua carta a defesa de que é necessário passar, nas relações pessoais, de uma lógica do sócios e ou da competição para a lógica do irmãos e da gratuidade e que esta relação deve ser buscada em esferas sociais e políticas mais amplas. “Isto supõe superar uma lógica que enxerga o outro e a outra sempre como ameaça para uma nova ordem política e social cuja alma é a caridade”, disse.
Outro aspecto destacado da Encíclica foi a que a boa política busca integrar os diferentes e convergir para questões comuns por meio do diálogo. “O Papa defende a ideia do poliedro e a cultura do encontro e do intercâmbio de ideias tendo em vista o bem comum e isto não significa a eliminação da riqueza da diversidade e dos diferentes pontos de vista que devem coexistir”, apontou.
A prioridade da melhor política deve ser os pequeninos e pobres, disse a professora, com os quais os políticos devem se comover e deixar-se arrebatar. “Neste sentido, aponta o Papa na Encíclica Fratelli Tutti ser necessário promover a participação em todos os níveis e a incorporação dos pobres e excluídos, reconhecendo que recomeçar a reconstrução da fraternidade precisa se um processo feito debaixo para cima”, concluiu.
Após a reflexão da professora Maria Clara seguiu-se às reações de cerca de 20 parlamentares, das quais destacamos duas abaixo:
Reflexões dos parlamentares católicos
“Saúdo a CNBB pela iniciativa de realização deste encontro. Tenho falado com o dom Walmor sobre a necessidade de a Igreja Católica se fazer mais presente e acompanhar o parlamento. Me coloco à disposição nesta linha de buscar projetos que promovam o desenvolvimento econômico baseado na sustentabilidade, na promoção da paz e da dignidade humana. Me sinto muito inspirado pela Encíclica Fratelli Tutti”.
Senador Antônio Anastasia (PSD-MG)
“É muito importante lembrar sempre de uma mensagem importante que o Papa Francisco no Sínodo para a Amazônia de que a sociedade tem que respeitar os modos de vida a a cultura dos povos indígenas. O que estamos vendo no Brasil é um desmantelamento dos direitos dos povos indígenas e tradicionais. Temos sido constantemente ameaçados pela violência em nossos territórios e direitos, à medida que não avança o direito da demarcação de nossas terras assegurado pela Constituição de 1988. Seguimos juntos nesta luta. Saúdo aqui o dom Mário Antônio da Silva, bispo de Roraima”.
Deputada federal Joênia Wapichana (Rede-RR)
Indicação e escolha dos parlamentares
De acordo com o bispo auxiliar do Rio de Janeiro (RJ) e secretário-geral da CNBB, dom Joel Portella Amado, não se trata de um encontro partidário. “Buscamos garantir, na medida do possível, a proporcionalidade e a representatividade de diferentes partidos políticos do Brasil”, disse.
Os nomes dos cerca de 80 parlamentares, de diferentes níveis e partidos políticos, foram sugeridos pelos 19 regionais da CNBB, pelas comissões episcopais pastorais da CNBB e organismos ligados à Conferência, em função da relação que os parlamentares possuem com essas instâncias.
Origem de encontros desta natureza
Esse encontro tem sua origem na constatação que os bispos latino-americanos fizeram na V Conferência Geral do Episcopado Latino-americano e do Caribe, ou Conferência de Aparecida (SP), realizada de 13 a 31 de maio de 2007. No número 502 do documento final de Aparecida, os bispos constatam que existe uma “notável ausência, no âmbito político, […] de vozes e iniciativas de líderes católicos de forte personalidade e de vocação abnegada que sejam coerentes com as suas convicções éticas e religiosas.”
Encontros desta natureza, entre lideranças políticas e os bispos, já foram realizados em Bogotá, de 1º a 3 de dezembro de 2017, com cerca de 70 participantes de toda a América Latina. O segundo encontro ocorreu de 10 a 12 de abril de 2019, em Atyrá, no Paraguai, com cerca de 80 participantes, abrangendo os países do Cone Sul. O Brasil esteve representado nos dois eventos com cardeais, bispos, presbíteros, leigos e leigas com atuação na vida pública nacional e local (senadores, deputados e vereadores).
O Papa Francisco também é um encorajador dessa aproximação. Ao se dirigir aos participantes no Encontro de Políticos Católicos organizado pelo Conselho Episcopal Latino Americano (CELAM), em Bogotá, de 1 a 3 de dezembro de 2017, ele fez a seguinte afirmação: “Desejo, antes de mais nada, saudar e agradecer aos dirigentes políticos que aceitaram o convite para participar de um evento que eu mesmo encorajei desde a sua gênese, o encontro dos leigos católicos que assumem responsabilidades políticas a serviço dos povos da América Latina”.
Programação
16 de setembro, quinta-feira, das 9h às 11h
8h30 – Abertura da Sala Virtual
9h00 – Ambientação e Oração inicial
9h10 – Abertura e Acolhida (Imprensa católica poderá participar desse momento)
– Presidente da CNBB – Dom Walmor Oliveira de Azevedo
– Núncio Apostólico no Brasil – Dom Giambattista Diquattro
– Presidente do Congresso Nacional – Senador Rodrigo Pacheco
9h40 – Comunicação: A “Política Melhor – Fratelli Tutti”
– Professora decana da PUC-Rio e teóloga, Maria Clara Bingemer
– Dom Joel Portella Amado, secretário-geral da CNBB
10h50 – Oração de encerramento e orientações para o próximo dia
11h00 – Encerramento
17 de setembro, sexta-feira, das 9h às 11h
9h00 – Ambientação e Oração inicial
9h10 – Testemunhos em Diálogo – parlamentares e bispos previamente convidados
10h50 – Considerações finais e oração de encerramento com bênção aos parlamentares